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25 Apr
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Caso de prefeito de 65 anos e adolescente de 16: mais de 2 milhões de meninas abaixo dos 18 são casadas no Brasil. O que diz a lei?
Thais Cristina Freitas Marques

O prefeito Hissam Hussein Dehaini (Cidadania), da cidade de Araucária, no Paraná, se casou com uma adolescente, ex-miss teen, de 16 anos, no último dia 12 de abril. O casamento aconteceu um dia depois do aniversário dela. A união foi aprovada legalmente pela mãe da adolescente, Marilene Rôde, que foi nomeada como secretária da Cultura e Turismo de Araucária depois do enlace.

A notícia começou a repercutir nesta semana e causou fortes reações nas redes sociais, que apontam que a união entre Dehaini e a adolescente se enquadrara na concepção de casamento infantil por envolver uma menor de idade.

Segundo o portal curitibano Plural Jornalismo, que apurou e descortinou o caso, a mãe da adolescente já tinha um cargo comissionado como assessora executiva do prefeito. Além dela, a tia, irmã de Rôde, também passou a trabalhar na gestão municipal em cargo comissionado. Dehaini está em seu segundo mandato e tem um patrimônio de R$ 14 milhões declarado à Justiça Eleitoral.

Nesta terça-feira (25), o Ministério Público do Paraná informou que o casamento entre o prefeito e a adolescente está sob investigação e que o caso deve correr em sigilo.

Por mais que se trate de uma união com uma menor de idade, a Lei nº 10.406/02 do Código Civil estabelece os 16 anos como a idade mínima para o casamento. É o que explica a advogada de família especializada em gênero Thaís Marques a Marie Claire.

Portanto, a união em que ao menos uma das partes tem entre 16 e 17 é permitida, desde que aprovada pelos pais ou responsáveis legais da pessoa menor. “Caso os pais divirjam, qualquer um poderá recorrer ao juiz para a solução da controvérsia”, diz.

A advogada explica que, desde 2019, uma alteração no Código Civil impossibilitou qualquer tipo de casamento, em qualquer hipótese, em que ao menos uma das pessoas tenha menos de 16 anos, e que há um projeto de lei em tramitação para reforçar a proibição de união estável abaixo desta idade.

"Na redação anterior do Artigo 1.520 do Código Civil, pela Lei nº 13.811, permitia-se o casamento para 'evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez'", ressalta.

Na internet, chamou atenção a nomeação de Marilene Rôde à secretaria de Cultura e Turismo logo após o casamento, levantando suspeitas de que poderia se tratar de uma aprovação da união por interesses próprios.

Marques explica que a configuração de interesse de terceiros neste tipo de união é tênue, "ainda mais diante da necessidade de 'aprovação' dos pais". O silêncio que envolve o tema dentro das relações familiares – e fora delas – torna mais difícil analisar as circunstâncias e possíveis violações de direitos das pessoas envolvidas.

"Mesmo diante dessa nomeação temporalmente aproximada ao matrimônio, entende-se que, nesse primeiro momento, seria muito frágil afirmar que essa é a razão da autorização", diz a advogada.

A definição de casamento infantil de órgãos internacionais

Organizações internacionais divergem da percepção da lei brasileira sobre o casamento aos 16 anos. A Organização das Nações Unidas (ONU) enquadra qualquer união formal ou informal em que ao menos uma das partes tenha menos de 18 anos como casamento infantil.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) também tem dados que apontam desde 2019 que o Brasil é o quarto país do mundo com mais números absolutos de casamento infantil. Um levantamento deste ano da organização Girls, Not Brides – que em português significa Meninas, Não Noivas – aponta que mais de 2 milhões de meninas abaixo dos 18 anos são casadas em território brasileiro, número que representa 36% das meninas do país.

Marques explica que, até o momento, não existem justificativas teóricas para explicar o porquê de o Brasil divergir deste parecer internacional. Também não existem projetos de leis em tramitação que buscam elevar a idade mínima para o casamento para os 18 anos.

Além de poucos, os avanços ainda se mostram ineficientes considerando o alto registro de uniões com menores de idade registrados atualmente no Brasil.

Consequências do casamento infantil

Thaís Marques reforça que a questão do casamento infantil é profunda e envolve questões culturais e desigualdades econômicas, além de gerar impactos coletivos.

A Unicef destaca que, na maioria dos casos brasileiros, o casamento com essa disparidade de idade acontece entre meninas e homens mais velhos, inseridos em condições econômicas mais favoráveis e com mais instrução escolar.

Como consequências mais diretas do casamento infantil estão a evasão escolar, gravidez precoce, dependência financeira, reprodução das desigualdades de gênero, mais vulnerabilidade a situações de violências e a perpetuação do ciclo de dominação.

Ela afirma que, para autorizar o casamento de maiores de 16 anos, é necessário que os pais ou responsáveis sejam balizados pelos princípios de solidariedade familiar, afetividade e melhor interesse do menor, disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. "Contudo, mesmo que os genitores se pautem por esses e outros princípios, o menor estará exposto a determinados riscos”.

“A autorização dos pais também poderia se apresentar como algo que suprime a vontade da criança e dos adolescentes e contribuir para o arrependimento sobre a união. Além disso, quando se parte da premissa que a escolha sobre a união foi tomada exclusivamente para atender a interesses de terceiros, os danos, sobretudo emocionais, podem se apresentar de forma mais grave", acrescenta.

Por isso, ela cita que se defende que existam políticas públicas que atinjam toda a comunidade, desde professores e familiares a governantes e servidores públicos. Afirma ainda que deve existir disseminação de informação que cheguem às meninas vulneráveis ao casamento infantil para que busquem ajuda e denunciem violações aos seus direitos, caso ocorram.

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